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Recuperação e Reforço de Pavimentos

Excesso de cargas, erros de execução e uso de material inadequado são as principais causas de defeitos nas vias. Saiba quais os cuidados a serem considerados na hora de recuperar pavimentos flexíveis

Por Gisele Cichinelli

Foto: Gubin Yuri/Shuterstock

Fissuras, desgastes precoces Índice de serventia de pavimento de superfície, deformações de massa asfáltica, afundamentos e formação de panelas (buracos) figuram na lista das principais patologias que acometem os pavimentos flexíveis. Falhas e defeitos dessa natureza põem em risco a segurança e o conforto dos usuários das vias, portanto é fundamental que o gestor público esteja apto para identificar e propor soluções corretivas.

“A maioria das patologias envolvendo esses pavimentos tem caráter evolutivo. Uma simples fissura, por exemplo, se não eliminada em tempo, pode evoluir para trinca e daí, sob a ação do tráfego e intempéries, se transformar em uma panela. Quanto mais cedo forem corrigidas, menor será o custo da obra (ao lado, veja gráfico sobre o custo de recuperação de pavimentos ao longo do tempo)”, conta o engenheiro Elci Pessoa Júnior, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas (Ibraop) e autor do livro “Manual de Obras Rodoviárias e Pavimentação Urbana – Execução e Fiscalização” (editora PINI).

De acordo com Moisés Ribeiro Abdou, engenheiro da Dynatest Engenharia, empresa especializada em engenharia rodoviária, as ocorrências dessas patologias são inevitáveis ao longo da vida útil da via. “O Índice de Condução do Pavimento Flexível (ICPF) uma hora vai cair. Mas o projeto tem de prever exatamente quando isso ocorrerá, indicando, inclusive, os tempos certos para manutenções preventivas e corretivas.”

Foto: Marcelo Scandaroli
Operações “tapa-buracos” são recomendadas exclusivamente para correções pontuais e quando a base e a sub-base ainda não estão comprometidas

Métodos de avaliação
No Brasil, devido ao tráfego pesado e não controlado, a maioria dos problemas envolvendo pavimentos se origina na superfície, afetando posteriormente as camadas mais profundas da via. “Não temos balanças em número suficiente para determinar se os caminhões estão regulados ou não, o que dificulta o controle da carga e, consequentemente, o dimensionamento correto dos pavimentos”, lembra Adbou.

Antes de pensar em corrigi-las, porém, é preciso avaliar a natureza das patologias. “Os defeitos na superfície em geral estão relacionados à ocorrência de trincas, panelas e deformações. É preciso quantificar esses defeitos registrando sua localização, extensão e severidade”, conta Elemar Taffe Jr., engenheiro de pavimentos da Pavesys.

A avaliação da superfície pode ser feita visualmente ou com o uso de lasers. Um dos métodos para inventário de superfície é a avaliação do Índice de Gravidade Global (IGG), calculado a partir da incidência de defeitos com suas respectivas ponderações variando de 0,2 a 1,0. “Quanto mais perto do zero estiver, melhor é a qualidade do pavimento”, observa Addou.

Vale observar que o índice leva em conta a maioria dos defeitos de superfície (dentre eles trincas, fissuras, afundamentos, ondulações, desgaste, exsudação, panelas, escorregamento de massas e até remendos), mas não observa, por exemplo, problemas decorrentes das falhas de execução. “Em algumas situações o bico do caminhão de pintura de ligação (que cola o revestimento à base) está entupido e uma faixa pode ficar sem cola, impedindo a aderência do asfalto à base”, observa Adbou. “O IGG também não contempla casos de desagregação (quando o material granulado da mistura sai do revestimento), apenas desgaste (quando o material granular está desgastado em relação ao ligante asfáltico que deveria envolvê-lo)”, completa o engenheiro.

Ainda de acordo com Abdou, as patologias da superfície geralmente são decorrentes do mau dimensionamento da mistura asfáltica, uso de ligantes ineficientes ou inadequados e falta de embricamento dos materiais granulares. Já a estrutura pode ser seriamente comprometida quando houver infiltração de água, problema ocasionado geralmente por projetos de drenagem subdimensionados ou inexistentes. Falhas do gênero podem causar recalques diferenciais e afundamentos no pavimento. Nesses casos, a estrutura superior se rompe, trincando e causando afundamento de consolidação na superfície.

A avaliação da estrutura do pavimento pode ser feita por equipamentos como a Viga de Benkelman ou Falling Weigth Deflectometer (FWD). No primeiro, um caminhão de eixo simples carregado a 8,2 t é posicionado em um trecho da via. Ao se deslocar, é possível verificar a deflexão da estrutura do pavimento medida por um extensômero localizado entre a roda dupla. O método determina a bacia de deflexão por medições feitas ponto a ponto.

Já no FWD, uma massa equivalente de 4,1 t é liberada em queda livre sobre uma placa circular de 30 cm de diâmetro no pavimento, enquanto geofones (extensômeros de alta precisão) são colocados em sete pontos em distâncias diferentes entre si, possibilitando determinar a bacia de deflexão em uma única medição. “Com o equipamento é possível determinar o módulo de resiliência das camadas, uma vez conhecendo as espessuras e tipo de material”, explica Abdou.

Dimensionamento
No projeto de recuperação ou reforço de pavimento todas as patologias existentes e suas causas reais devem ser identificadas, dimensionadas e detalhadas. “Restaurações parciais de alguns defeitos, sobretudo quando se trata de afundamentos, onde muitas vezes só são recuperados os trechos mais críticos, são bastante problemáticas. O trecho vizinho à intervenção continuará com a patologia, e em estado de evolução”, alerta Pessoa Júnior.

De modo geral, os métodos de dimensionamento do reforço de pavimento são similares aos de pavimentos novos. No Brasil, essa etapa é feita basicamente a partir da análise da quantidade de passagens na via de um veículo com uma carga padrão por eixo de 8,2 tf, acumulado durante toda a vida útil projetada (também conhecido com número N). Também devem ser levados em consideração o tipo de solo existente no subleito e a qualidade dos materiais disponíveis na região para execução da obra (qualidade dos solos, brita, areia etc.).

De acordo com Pessoa Júnior, para o dimensionamento correto do material a ser usado e da espessura das camadas, deve-se fazer a contagem atual do tráfego (classificando- o e “convertendo-o” em eixos padrões de 8,2 tf) e, em conformidade com os dados históricos de contagens anteriores, projetar seu crescimento ao longo dos anos. “A partir daí calcula-se a quantidade de passagens desse eixo padrão até o final da vida útil da via”, informa.

“Já o projeto de reforço estrutural deve reavaliar os estudos de tráfego e recalcular o número N, levando agora em consideração o tráfego ao qual já foi submetido o pavimento desde a entrega da obra inicial e o quanto ainda vai passar pela via até o final da vida útil que se deseja”, completa o engenheiro.

Vale observar que o número N deve refletir de forma mais aproximada possível o tráfego ao qual será submetida a via. Portanto, além de considerar contagens históricas de volume de tráfego, o projeto também deve levantar dados sobre origens e destinos dos veículos no trecho. “Muitas vezes a própria pavimentação da via causa um ‘tráfego gerado’, ou seja, veículos que utilizavam outras rotas alternativas podem passar a utilizar agora a nova via pavimentada, devido às suas boas condições”, lembra Pessoa Júnior.

Foto: Elci Pessoa Júnior
Método de viga benkelman determina a bacia de deflexão por medições feitas ponto a ponto
Divulgação: Dy natest Engenharia
Equipamento FWD permite determinar a bacia de deflexão em uma única medição

Execução correta
Antes de iniciar a execução do reforço do pavimento propriamente dito, o ideal é vistoriar o trecho, a fim de verificar se as soluções concebidas na fase de projeto ainda correspondem às tecnicamente recomendadas para corrigir as patologias no estado atual. “Um trecho que, ao tempo do projeto, poderia ser recuperado apenas com fresagem e execução de um novo revestimento, pode se deteriorar de tal forma que, ao tempo do início dos serviços, seja necessário uma reestabilização total da base. Descuidos como esse significam desperdício de dinheiro do contribuinte”, observa Pessoa Júnior.

Outro erro comum é a utilização de soluções paliativas. Os “tapa-buracos”, por exemplo, só são recomendados para pavimentos que apresentam defeitos pontuais e quando as camadas inferiores (base e sub-base) ainda não estão comprometidas em grandes extensões. “Não adianta realizar tapa-buracos onde o revestimento já está totalmente comprometido ou o pavimento deformado, exigindo recapeamentos completos ou até mesmo reestabilização da base”, diz o engenheiro. “Nesses casos, invariavelmente o remendo logo será vizinho de um novo buraco e assim sucessivamente, até formar uma verdadeira ‘colcha de retalhos’”, completa.

Na hora de executar o reforço, também é preciso certificar-se de que a compactação das camadas seja feita de forma correta (com a energia adequada) e que a umidade do solo ou do material granular das camadas inferiores de revestimento corresponda à ótima (definida em laboratório), a fim de dar maior coesão ao material e aumentar a resistência do pavimento a cargas. “Se esses cuidados não forem tomados, problemas de recalques e de consolidação de toda a estrutura aparecerão antes do previsto, comprometendo a nova vida útil do pavimento”, explica Abdou.

O ideal é contar com um controle tecnológico durante a toda a execução, inclusive durante o recebimento dos ligantes asfálticos. Também é essencial realizar análises diárias da granulometria dos agregados utilizados na mistura, verificando se são equivalentes aos utilizados durante a elaboração do traço. Outro cuidado importante é garantir o controle das temperaturas do Cimento Asfáltico de Petróleo (CAP) e do agregado no silo quente, no momento da usinagem. Variações a menor não devem ser toleradas, pois impedem que o CAP tenha viscosidade adequada à mistura com os agregados. “Nem a maior, pois nesses casos ter-se-á o chamado ‘asfalto queimado’”, observa Pessoa Júnior. A temperatura de execução da mistura na pista também deve ser controlada, de modo a garantir que o grau de compactação fique entre 97% e 101%, caso contrário haverá consequências nas características finais da massa asfáltica (como, por exemplo, aumento do índice de vazios e alterações na relação betume-vazios).

Por fim, o correto dimensionamento e as condições de conservação dos equipamentos utilizados nas etapas de espalhamento e compactação também são itens importantes a serem verificados. “Não é possível espalhar a massa asfáltica em extensões nas quais não se possa garantir o término da compactação antes do seu resfriamento. Quebras e vazamentos de óleo devem ser evitados durante a execução dos serviços”, completa Pessoa Júnior.

Índice de serventia de pavimento

O gráfico em destaque mostra um pavimento projetado para uma vida útil de 12 anos. Após nove anos de vida útil, o custo estimado para a recuperação será de US$ 6 m² a US$ 7/m². Caso o procedimento seja retardado em apenas dois anos, o investimento necessário será cinco vezes maior, passando para aproximadamente US$ 30 a US$ 32/m². “Por isso é importante que o gestor público saiba o tempo certo de realizar a intervenção, fazendo ‘render’ o dinheiro dos contribuintes e garantindo conforto aos usuários das vias”, explica Elci Pessoa Júnior, vice-presidente do Ibraop.

A Orientação Técnica do Ibraop OT-IBR 003/2011, lembra o engenheiro, disciplina a Garantia Quinquenal das obras públicas no que tange a eventuais notificações aos empreiteiros responsáveis para que corrijam, sem ônus para o Estado, as patologias precoces no pavimento. Saiba mais: www.ibraop.org.br

Fonte: Villibor, Douglas Fadul et al. Pavimentos de baixo custo para vias urbanas – 2a ed. – São Paulo: Arte & Ciência, 2009.

Principais patologias

Foto: Dimedrol68/Shutterstock

Fissuras ou trincas
São causadas pelo afundamento das camadas inferiores do revestimento, ocasionadas por motivos diversos (baixa capacidade de suporte do subleito, subdimensionamento da base e da sub-base, excesso de carga ou má execução das camadas). Também podem ser originadas pela reflexão no revestimento novo de fissuras existentes no antigo e pela má qualidade da massa asfáltica utilizada (quando as características da massa não atendem aos requisitos de estabilidade, fluência, índice de vazios, relação betume-vazios, resistência à tração, teor de ligante e grau de compactação).

Foto: Chinahbzyg/Shutterstock


Afundamentos do pavimento

Podem se manifestar de forma isolada ou formando “trilhas de roda” (quando ocorrem exatamente nos pontos de mais frequente contato entre os pneus dos veículos e a pista). Também podem ser responsáveis pelo surgimento de trincas. Em geral, a patologia decorre de bases mal-executadas (com grau de compactação inferior a 100%) ou subdimensionada a ponto de não suportar o esforço recebido.

Foto: Elci Pessoa Júnior

 

Desgastes precoces de superfície e deformações do revestimento
Normalmente oriundos da má qualidade da massa asfáltica utilizada. Essas patologias também podem ocasionar fissuras e trincas.

 

Foto: Timothy Large/Shutterstock


Pouca resistência à derrapagem

O uso de betume em excesso pode causar o exsude e o desenvolvimento de uma superfície extremamente lisa. A baixa aderência de pavimentos à frenagem também pode ser explicada por colapsos do agregado graúdo na mistura constituinte da base do pavimento e polimento dos materiais inertes da superfície por ação do tráfego.

 

Foto: Jeff Wasserman/Shutterstock

Buracos
Também conhecidos como panelas, aparecem em consequência da deterioração máxima diversas patologias, geralmente quando o revestimento não tem mais elasticidade para suportar os esforços e se rompe, expondo as camadas inferiores do pavimento. De acordo com manual do Dnit, tanto o desgaste quanto as panelas “se desenvolvem pelo arrancamento do material da camada de revestimento, e a severidade é uma função da profundidade atingida pela deficiência”.

Foto: Elci Pessoa Júnior

Deformações de trilhas de roda
O afundamento nas trilhas de roda normalmente se desenvolve por meio da “deformação permanente de materiais constituintes das camadas inferiores dos pavimentos”, informa o manual do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Em geral, os abatimentos longitudinais ou transversais ocorrem em camadas betuminosas com resistência insuficiente à deformação plástica requerida, submetida a altas temperaturas em tráfego lento e pesado de veículos. A progressão das patologias pode ser acelerada pelo surgimento e não correção de trincas, que enfraquecem o pavimento.

Técnicas de reabilitação

Foto: Brunno Covello

Dentre as técnicas mais comuns para a reabilitação de pavimentosflexíveis está o reforço da estrutura, que consiste na recuperação das características estruturais do pavimento pela colocação de uma espessura adicional de material betuminoso, aumentando a capacidade estrutural e prolongado a sua vida útil. Em casos onde as camadas de revestimento ou da base estejam seriamente comprometidas, no entanto, pode ser necessária a reciclagem do pavimento. Nessas situações, lembra o engenheiro Moisés Ribeiro Abdou, da Dynatest Engenharia, o revestimento e parte da base são removidos por uma máquina recicladora. O material da base é misturado ao revestimento, enrijecendo a nova base e tornando-a mais resistente. Em seguida, uma nova camada de asfalto é aplicada sobre a nova estrutura. Em casos mais extremos, quando os métodos de avaliação condenam a estrutura, pode ser necessária a reconstrução total do pavimento. “Nessas situações, todas as camadas são retiradas e refeitas. São procedimentos muito trabalhosos e caros”, explica Abdou.

Fonte: Revista Infraestrutura Urbana, Edição 37 – Março/2014

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