Crise fiscal não é a única culpada; há problemas de projeto e também a necessidade de reabilitar empresas
São Paulo – A economia brasileira anda lenta, mas em alguns lugares já chegou ao ponto morto.
São 14 mil obras paralisadas no país envolvendo contratos no valor de R$ 144 bilhões, de acordo com um relatório recente do Tribunal de Contas da União (TCU).
“Há ainda o custo associado ao desgaste das obras que permanecem por muito tempo sem execução. Em alguns casos, a obra não pode ser retomada sem intervenções para recuperar os estragos decorrentes do abandono”, diz o relatório assinado pelo ministro Vital do Rêgo.
As obras paradas representam pouco mais de um terço (37,5%) das 38 mil que têm contratos consolidados e portanto deveriam estar em andamento.
Em abril, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP) lançou um mapa para acompanhar as 1.677 obras paralisadas ou atrasadas no estado, que representam mais de R$ 49,6 bilhões em investimentos.
Outras 1.300 obras paralisadas estão no Rio de Janeiro; um exemplo emblemático é a usina nuclear de Angra 3, parada desde 2015.
O presidente-executivo da Eletrobras, Wilson Ferreira Jr, disse recentemente que até o fim do ano deve ser feita a concorrência internacional que escolherá um sócio para a conclusão da obra.
O mapa de calor mostra o percentual de obras paralisadas em relação ao total de obras no Estado.
O TCU também identificou as razões para as paralisações das obras em uma amostragem no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC):
O problema está em parte relacionado com a crise fiscal, já que o país registrou déficit primário em todos os anos desde 2014.
Como mais de 90% dos gastos da União são obrigatórios por lei, como salários e aposentadorias, na hora do aperto são os investimentos que entram na faca.
A proposta de Orçamento para 2020 enviada pelo governo federal na sexta-feira (30) prevê que os investimentos terão o menor nível dos últimos dez anos.
Mas Claudio Frischtak, presidente da consultoria InterB e especialista em infraestrutura, nota que a questão das paralisações vai muito além do fiscal e tem a ver principalmente com a qualidade da gestão do investimento no Brasil.
“Já vimos na confissão de réus de que obras foram começadas sem sequer ter um projeto básico. Sem governança do investimento não há qualidade de execução, e a tendência é ter obras mal feitas ou que nunca terminam. Outras obras seguem um ciclo eleitoral e não um ciclo das necessidades”, diz ele.
Frischtak destaca que uma coisa é terminar a obra e outra é saber quem vai a operar depois, o que também exige recursos.
“A obra não termina quando entrega a chave. Você pode ter obras em que acabou o recurso sim, mas o projeto era de tão mal qualidade que nem vale prosseguir com a obra do jeito que está”, completa.
A decisão sobre o que vale ou não retomar e de que forma teria que ser feita, portanto, usando critérios claros de retorno social.
Bloqueio judicial
Também há entraves regulatórios emperrando o processo. A Lei Anticorrupção foi sancionada em 2013, mas somente 8 estados e 17 municípios regularizaram os acordos de leniência, segundo o TCU.
Até junho deste ano, a CGU, em conjunto com a Advocacia-Geral da União (AGU), assinou apenas nove acordos desse tipo com empresas investigadas com base na Lei, com outros 22 acordos em andamento.
O tema será discutido nesta terça-feira (02) em um seminário na Escola da Magistratura do Rio (EMERJ), onde o MP do Rio divulgará a regulamentação para este tipo de acordo.
Participarão da discussão Antônio Saldanha, ministro do STJ; Eduardo Gussem, procurador-geral; Leandro Daiello, advogado e ex-diretor-geral da Polícia Federal; e Fabio Medina Osório, ex-AGU, entre outros.
Claudio nota que há várias empresas médias e pequenas crescendo no vácuo das grandes empreiteiras afetadas pela Lava Jato, assim como outras chegando de fora. Ainda assim, seria do interesse público achar maneiras para que as empresas com passado manchado voltem a atuar.
“Os critérios básicos são punição, compliance e permitir competição de igual para igual com as outras. A última coisa que queremos é menos competição e menos transparência”, diz ele.
Fonte: Exame