Pesquisadores do Ceará comprovam que escolha mais adequada na mistura asfáltica pode diminuir a deterioração prematura dos pavimentos no Brasil
A partir de um estudo sobre a deformação do asfalto das estradas brasileiras, pesquisadores do Ceará desenvolveram um novo método que orientará na escolha mais adequada para as misturas asfálticas. O objetivo é produzir um asfalto de melhor qualidade e com isso diminuir a deterioração prematura dos pavimentos nacionais. Utilizando materiais granulares ou agregados de tamanho diferentes dos hoje utilizados nacionalmente, os especialistas comprovaram que as normas utilizadas no País não são adequadas para resistir à deformação permanente.
“A metodologia no Brasil está defasada, é a mesma utilizada há mais de 50 anos”, destaca a professora Juceline Batista dos Santos Bastos, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) em Morada Nova (CE), autora da tese de doutorado intitulada “Considerações sobre a deformação permanente de pavimentos asfálticos no dimensionamento mecanístico-empírico”. Defendida em 2016 no Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC), o trabalho contou com a orientação do professor Jorge Soares, da UFC.
Juceline explica que a deterioração prematura dos pavimentos nacionais exigia já há algum tempo o desenvolvimento de um novo método brasileiro de dimensionamento mecanístico-empírico de pavimentos asfálticos. “Esse método encontra-se em construção, e teve forte contribuição dos desenvolvidos obtidos no âmbito da Rede Temática de Asfalto patrocinado pela Petrobras. A Rede continua em andamento e envolve o Laboratório de Mecânica dos Pavimentos da Universidade Federal do Ceará (LMP/UFC) e mais cerca de 15 universidades brasileiras. O foco é na execução e no monitoramento de pistas experimentais e na caracterização mais avançada dos materiais. Dessa forma, essa pesquisa uniu esses dois desafios”, detalha.
Tráfego intenso e carga pesada
De acordo com Soares, a deformação permanente é um dos danos causados pelo tráfego intenso, especialmente por caminhões de carga, sobre os pavimentos. Quanto mais lenta a velocidade com que passa essa carga, diz, maiores os danos. “Por isso que a malha viária de Fortaleza, assim como das demais capitais, é pior do que nas rodovias, ainda que o pavimento tenha os mesmo materiais, as mesmas estruturas”, esclarece.
A pesquisa buscou examinar os agregados dessa superfície por onde a carga trafega, ou seja, o asfalto e seus agregados. Segundo Juceline, a elaboração da tese envolveu um intenso esforço em pesquisas de laboratório e em campo “Nós desenvolvemos um campo, criando um pavimento com um modelo próprio de mostra asfáltica e usamos um simulador de grande porte, que simula um caminhão de carga, para analisar os danos causados na estrutura do equipamento”, conta.
Os pesquisadores explicam que agregados são materiais granulares de dimensões e propriedades estabelecidas para uso em obras de engenharia civil, tais como, a pedra britada, o cascalho e as areias naturais ou obtidas por moagem de rocha, além das argilas, entre outros. Os agregados representam em média 95% do volume total das misturas asfálticas e eles podem ser relacionados com muitos aspectos da mistura em campo, como compactação, densificação, permeabilidade, durabilidade e resistência à deformação permanente.
Altas temperaturas
A pesquisadora do IFCE afirma que a escolha por estudar a deformação permanente se deu pelo fato de que esses danos são maiores no Nordeste, influenciados pelas altas temperaturas. “As mostras asfálticas apresentam mais rapidamente os danos por aqui”, aponta Juceline. Através de dados conseguidos com outras 20 universidades brasileiras, ela analisou as mostras asfálticas do Brasil e criou uma nova metodologia de dimensionamento de pavimentos, isto é, com agregados de tamanho diferentes das normas hoje utilizadas nacionalmente. Com isso, comprovou que as normas utilizadas no País não são adequadas para resistir à deformação permanente.
Na busca por uma metodologia que subsidiasse a escolha mais adequada quanto à resistência à deformação permanente de misturas asfálticas, a pesquisa refinou critérios para os resultados do ensaio uniaxial de carga repetida em função do tráfego em campo a partir de dados de 12 trechos monitorados. “Esse refinamento pode ser utilizado no novo método mecanístico-empírico de dimensionamento de pavimentos flexíveis”, explica Juceline.
Na metodologia proposta pelos pesquisadores cearenses a deformação permanente é controlada principalmente pelos agregados e pelo método de dosagem da mistura asfáltica. “A seleção desses agregados utilizando metodologias como a Faixa de Agregados Dominantes (FAD) e o método Bailey, Aggregate Image Measurement System para avaliar a influência do agregado. Isso dá indícios que melhoramentos simples, implementáveis num curto prazo pelos órgãos, podem ser uma alternativa na busca por melhores resultados quanto à deformação permanente, pois a principal ferramenta é a peneira que separa os materiais em tamanhos distintos e, portanto, trata-se de um produto presente nos mais humildes laboratórios”, apontam.
No campo e no laboratório
Durante a pesquisa foram realizados experimentos laboratoriais e de campo, contribuindo, inclusive, para o desenvolvimento de norma quanto a deformação. Além da mistura asfáltica, que é o composto constituído de asfalto e de agregado, cada componente dela foi investigado em laboratório. Foram adotadas metodologias e tecnologias de ponta na área da pavimentação, como: ensaio Multiple Stress Creep Recovery (MSCR) para avaliar a influência do ligante; metodologia da FAD e do método Bailey, para avaliar a influência do agregado.
“No trabalho de campo verificou-se o afundamento de trilha de roda de três trechos reais monitorados e dois trechos construídos para a pesquisa e submetidos ao Simulador de Grande Porte (equipamento do porte de uma carreta em verdadeira grandeza e que acelera o dano no pavimento) e à instrumentação (sensores de umidade, termômetros, células de pressão e deformação) em campo”, explica Juceline.
Próximos passos
A indústria da pavimentação é bastante movida pela demanda dos donos das obras, o poder público ou concessionárias. São estes, sobretudo, que devem ser sensibilizados. Os nossos resultados estão sendo divulgados neste momento nas principais revistas científicas e gostamos de acreditar que serão usados para produzirmos pavimentos de melhor qualidade.
De acordo com os pesquisadores por se tratar de um assunto amplo, pesquisas adicionais contribuirão para mitigação dessa falha nos pavimentos asfálticos do Brasil e do mundo. “A ideia é continuar o monitoramento dos trechos experimentais e incluir novos trechos, novos materiais, além de tentar um pós-doutorado internacional para seguir trazendo ao Brasil o que há de mais avançado no que diz respeito à Infraestrutura de Transportes”, planeja a pesquisadora.
O trabalho de Juceline Bastos recebeu menção honrosa no Prêmio Capes de Tese 2017. A comenda é outorgada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) às melhores teses de doutorado defendidas em 2016. A menção honrosa foi concedida dentro da área Engenharias I, que agrega 87 programas de pós-graduação no Brasil.
O Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Transportes da UFC obteve 5 no conceito da Capes em sua última avaliação. Soares destaca que não há, atualmente, nenhuma pós-graduação na área com nota acima de 5, o que coloca o programa da UFC entre os melhores do País.
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Fonte: Nossa Ciência