Lei sancionada em setembro deverá ser regulamentada pelo governo Leite no início de 2020
Empresas e prefeituras interessadas em assumir obras em rodovias estaduais deverão ter mais facilidade para obter a autorização do governo do Estado a partir de janeiro. Hoje, mesmo com dinheiro à disposição, empresários e prefeitos esbarram na burocracia e na falta de estrutura do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer).
É o caso de Cacique Doble, no norte do RS. O município de 5 mil habitantes tenta há pelo menos 10 anos a liberação do Daer para instalar redutores de velocidade ou lombadas na RS-343, que corta a cidade — sem custos para os cofres estaduais. A obra é considerada simples pela prefeitura, mas inviável sem a autorização do Estado.
— Entre 2017 e 2018 houve cinco acidentes com duas mortes no local em que pretendemos instalar os redutores. O objetivo principal é salvar vidas — justifica o prefeito Edivan Fortuna.
A instalação custaria entre R$ 3 mil e R$ 8 mil aos cofres do município, dependendo do tipo de obra escolhida para diminuir a velocidade dos veículos no trecho. No entanto, ainda não houve liberação do Estado.
“Estado não faz e não deixa fazer”, diz autor da proposta
Na prática, a nova lei retira parte da responsabilidade do Estado na conservação de rodovias, amplia a competência das prefeituras e permite que a iniciativa privada invista nas estradas para promover melhorias. Antes de serem realizadas, entretanto, todas as alterações deverão ter projeto e passar por supervisão da Secretaria Estadual dos Transportes.
Hoje, prefeituras já obtém liberação para conservar trechos de rodovias estaduais. Para isso, basta que assinem os chamados Termos de Cooperação Técnica junto ao Daer. O governo do Estado calcula ter economizado R$ 80 milhões neste ano através de convênios.
Em Farroupilha, o prefeito Claiton Magalhães, decidiu, em abril de 2019, retirar do caixa da prefeitura cerca de R$ 1,1 milhão para custear uma operação de recapeamento na rodovia. Para isso, o município assinou um convênio com o governo estadual, assumindo o ônus financeiro da melhoria.
— Fiz um decreto em nome da vida, levando em conta que a situação ficou insustentável. Isso foi possível em função da economia que fizemos com cargos e salários — conta o prefeito.
Entretanto, muitos prefeitos não recebem respostas e travam batalhas de meses ou anos junto ao Daer para conseguir a autorização. A expectativa é que essa espera diminua a partir de janeiro, com a assinatura da regulamentação da lei proposta pelo deputado Paparico Bacchi (PL), aprovada na Assembleia e que foi sancionada pelo governador Eduardo Leite em 26 de setembro.
A minuta do texto já foi encaminhada pela Secretaria dos Transportes para a análise técnica do Palácio Piratini. Desde então, aguarda apenas o aval do governador.
— Hoje, o Estado não faz e não deixa fazer — critica Bacchi. — Essa lei permite que as comunidades possam fazer as suas obras sem o prejuízo da lei.
A regulamentação irá definir quais alterações viárias poderão ser feitas por prefeituras e iniciativa privada: asfaltamento, conservação de rodovias e construção de trevos, por exemplo. Toda proposta de obra deverá contar com a elaboração de projeto que, depois, seguirá para análise e fiscalização do Daer. O Estado não terá nenhum custo com as melhorias.
— As obras terão de ser do interesse do Estado. Qualquer tipo de obra passará pelo crivo técnico da Secretaria dos Transportes — destaca o titular da pasta, Juvir Costella. — Às vezes, as pessoas gostariam de ter em frente à sua casa uma lombada. Mas nem sempre é viável tecnicamente. Vamos analisar cada uma dessas questões.
Com quadro enxuto, Daer é criticado por prefeitos
Por burocracia ou por entraves legais, a principal reclamação dos prefeitos é em relação ao Daer, quando falam sobre a demora para conseguir liberação para obras em rodovias estaduais.
— Poucas vezes respondem. Quando respondem, dizem que não há recursos — resume o prefeito de Cacique Doble, Edivan Fortuna.
Criada em 1937, o Daer executou centenas de obras importantes no Estado, mas perdeu fôlego nos últimos anos. Atualmente, menos de 800 funcionários compõem o quadro da autarquia — pelo menos 120 servidores se aposentaram em 2019. O departamento chegou a ter mais de 4 mil funcionários, segundo a Secretaria dos Transportes.
— Qual é o papel do Daer hoje? Se continuarmos nesse processo, em menos de uma década o Daer estará em extinção. O Daer tem que aproveitar o quadro enxuto que tem, modernizá-lo e capacitá-lo para que tenha condição de continuar exercendo o papel de fiscalização e contratação. E quem sabe, no futuro, o Daer possa virar um pequeno departamento da Secretaria — projeta Costella.
Tentando afinar a interlocução com a autarquia, a Secretaria dos Transportes irá se transferir do Centro Administrativo Fernando Ferrari (CAFF) para a sede do Daer, na Avenida Borges de Medeiros. Segundo Costella, a transferência deve ser concluída até o Carnaval.
O secretário faz elogios ao quadro da autarquia e promete agilidade na liberação de projetos. Apesar disso, a regulamentação não prevê um prazo máximo para que o Estado analise cada projeto.
— Vamos ter brevidade para que os projetos não fiquem emperrados por décadas junto ao órgão competente, que não fiquem tramitando anos e anos sem que a sociedade tenha uma resposta: seja o sim, seja o não — promete.
Famurs vê pontos positivos e negativos na nova lei
Entre os pontos da lei aprovada pela Assembleia em setembro, está previsto que o gestor público municipal ficará livre de punições caso assuma obras em rodovias estaduais. Hoje, o prefeito que faz obras com recursos municipais em estradas sob responsabilidade estadual pode responder por improbidade administrativa caso não assegure a autorização do governo.
— Quando (o prefeito) faz (a obra), o Tribunal de Contas do Estado vem e diz que você fez errado, que você não poderia ter feito essa obra porque o dinheiro é do município e a obra é do Estado. Você é glosado e tem que devolver o dinheiro — destaca Bacchi. — Essa lei permite que os gestores públicos municipais possam ir para casa e durmam tranquilos.
A Federação das Associações dos Municípios do Rio Grande do Sul considera positivo que a legislação proteja os prefeitos de punições, mas pondera que a nova lei pode ser mais uma forma de repassar às prefeituras custos que deveriam ser do Estado.
— Nossa preocupação é que, após a regulamentação, o Estado deixe a responsabilidade com os municípios. Não é uma proposta que a Famurs apoia. Será mais uma desculpa para que essa atribuição passe para os municípios — reage o presidente da Famurs, Eduardo Freire. — Ao mesmo tempo, a lei vem a beneficiar alguns municípios que acabam tendo que fazer essas obras.
Fonte: Zero Hora